segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

tremor

Começar a existir consome.
Tu, que existes e és invariavelmente alguém,
Mostra que podes. Que és.
Alimenta-me de poesia.
Mata-me a fome
Mata-me o desdém.
Mata-me a mim, que derivo entre ser e existir.

domingo, 26 de outubro de 2014

pântanos engarrafados

Não gosto de garrafões meio-vazios.
Tamanha monstruosidade
Com um peso vazio de si:
Uma carcaça sem conteúdo
Que libera nada
E banha a alma aprisionada.
Plástico que se perde em rios -
Daqueles de verdade -
Onde, afogado, vivi;
Cego, surdo, mudo,
De personalidade impregnada
De cheiros e mente alagada.

sábado, 16 de agosto de 2014

entre a Olga e o café

Ia Olga, aromática,
Pelo que se podia adivinhar ser uma rua.
Rua estreita aquela -
Pensava para a chávena,
Perdido numa idiotice qualquer.
Mas os grãos de café da Olga
Não tornavam desperdício:
Nenhum caía, nenhum chorava.
Nenhum sorria, mas ela era pragmática.
A máquina era tão sua,
Tão singela,
Tal açúcar pertencer à cana,
Que ninguém a tomava por mulher.
Eram os grãos, Olga!
Os grãos eram estalagmites em precipício.
Ela corava,
Orgulhosa dos grãos que cultivara,
E fazia o melhor café num raio de 5 planetas e meio.
Raios, Olga..!
Que crime, que falácia tão brava;
A nada se equipara
Este pedaço de estrada, ou este freio
Que ruge de ferrugem,
Que grita de energia,
Que definha numa comodidade de grão.
Oh Olga,
Cobre-me de penugem,
Causa-me euforia,
E deixa que morra, sozinho, frio neste chão.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

imperial

Senhor desgosto,
Prazer!
Antíteses idiotas
Estruturam um prédio
Tapado pelos andaimes
Que me forram.
Estivesse eu disposto
De forma a entender
Que todas estas formas - portas -
Não são fuga do tédio;
São açaimes
Que me negam.
Negam-me e anulam-me
Como se fosse insignificante -
E talvez seja -
Porque este mundo nada me oferece:
Sou uma criança pobre
Num Natal constante (porque o Natal é quando um homem quiser, afinal).
Infame
O gratificante
Sabor da cerveja,
Que os lábios me humedece
Até que me invada a morbidez.
Fosse isto fatal,
Fosse isto sensatez,
Fosse isto o que parece,
Para me ir embora de vez.

terça-feira, 22 de julho de 2014

boa noite

"Começo a conhecer-me. Não existo." (Álvaro de Campos)
Existir é relativo e eu também.
Sou relativo a tudo e há coisas relativas a mim;
Mas não vejo reciprocidade.
Talvez me falte percepção,
Talvez me deturpe o desdém.
O "talvez" faz-se frenesim
Quando me revejo na cidade.
Aqui, só sou cidadão,
Não sou pessoa, não sou ninguém.
Aqui, não existo.
Passo-te ao lado
Como um jornal ressequido no passeio.
Resumo-me a isto:
Desfraldado
E completamente alheio
Ao que possas pensar...
Porque eu conheço-me e isso deixa-me triste;
Mas tu conheces-me e és feliz com isto:
Com um quase fardo.
Quiçá possa rematar
- Baseio-me em todas as vezes que riste
Comigo, por mim, sorrindo num misto
De admiração por este bardo
E de amor por este idiota.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

canino que não abana a cauda

Todas as portas deviam ser saídas daqui;
Não aguento o peso do ar,
Não aguento as pernas a cair:
Quero correr até que elas me caiam...
Mas quero correr para longe.
Longe de mim, fugir por aí.
Sinto o peito quente e a arfar
Os flashes, que me cercam, pairam
Comigo e cegam-me hoje.
A cegueira foi uma bênção para mim.
Não me adequo -
Não pertenço aqui nem a lado algum -,
Pertenço ao vento e à força de vontade
E gostava de me pertencer,
Porém, não me encontram forte de espírito.
[Nas quedas, perpetuo
Um fôlego de jejum:
As mazelas da idade]
Indeciso entre ser ou não ser,
Deixo o grito e deixo a frustração;
Abraço a notícia e este mundo de cão.

domingo, 18 de maio de 2014

tropecei no guarda-chuva; lembrei-me que chove amanhã

Ignobilidade. Espera-se apreendendo o que se esfuma pelos reflexos de superfícies transparentes. As imagens transfiguram algo de inútil para o que se ergue como algodão na mente.
Leviandade de espírito é quase um bem indispensável, mas sinto antes chumbo a deturpar-me uma autofocalização; não que muitas almas me acompanhem - e descobri que não as posso agarrar, que é mau e o mau não deve fazer-se -, não é algo estritamente necessário. Não, julgo viver de forma aceítável, mesmo com plena consciência de que condicionei uma realidade que se alia a um futuro próximo que tende a ter um humor perpétuo como o que tem teimado a instalar-se... e as repercussões são constantes.
A depressão é genérica. Ninguém tem depressão. É como um autodiagnóstico inócuo. O mal, creio eu, vem sempre da fome e eu gostava de ter menos.
As formas mal dizem o que queria ouvir, mas os vultos transmórficos também parecem estar com carência de desenvoltura das cordas vocais. Seria de salientar que organismos imaginários proferissem sons que não se assemelhassem a inspirações constipadas, próprias de uma inutilidade parasítica, que vive de relações de sucção com emoções ou positivismos que vagueiam, singelos e abrigados - ou tentam -, mas a chuva não poupa os que folgam em impermeabilizar-se.

domingo, 11 de maio de 2014

Pousada

Deitei-me no chão
De mãos na cabeça:
Já não havia portas para esmurrar.
Desespero irracional
- Quem me dera ser um cão
À espera que a vida esmoreça.
Acabei por me aborrecer...
O mundo é cal:
Branco todo e todo à volta;
Mas eu mostro-me sombra
Onde não há claridade.
Talvez só para contrariar,
Quiçá para atiçar uma revolta,
Já nem a alma me tomba
Para me corroer a dignidade.

Nada bate o quarto de hotel
Em que me escondi;
Nada abala a mente
De quem regressa...
Regressar ao papel,
Arrastar-me por aí;
O hotel mostra-me diferente
E a vida nunca mais começa.

terça-feira, 22 de abril de 2014

metodologia energúmena

Não temos método
Mas mantemos o critério:
Ensolaremos a névoa
Que nos turva o pensamento:
Larguemos os guarda-chuvas ao vento,
Sejamos molhados num todo;
Vamos lutar contra o império!
Ganância e arrogância à toa
E sem qualquer fundamento.
Tirem-me daqui, que mal me aguento.
Escala-se a modéstia
E deixa-se para trás o idiotismo,
Que pesos destes não se querem
Nem oferecidos!
Da compaixão não se denota réstia:
Lá foram os tropeções do companheirismo,
Otites em nossos tímpanos que nos ferem
Ferem-nos o cérebro, estamos fodidos.

pede-se perdão pelo palavrão indiciado no último verso deste pseudo-poema; apenas é qualquer coisa que descreve, numa palavra e a roçar a perfeição, o estado dos jovens pensadores portugueses. 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

léguas em andas de madeira

Um humor
Num par de andas:
Uma mais alta que outra:
Renega os desapreços,
Os desapegos e os crimes da alma
Para poços e esconderijos.
Altivamente, um sorriso de calor,
Brisas que o trazem, brandas;
A nossa personalidade é pérola em ostra.
[Decaímos para a outra anda]
Um pavor,
Atiramo-nos pelas varandas -
Nas nossas mãos não se vê a palma -
Os dedos esmorecem, nem se sentem rijos.
Constante o desamor
E os enganos entre pernas bambas,
Levam-nos a coçar a crosta,
A rebentar a ferida,
A cair de costas.
Não temos humor,
E já pouco amor à vida.
Nem contra o que podes ripostas,
Desistimos do nosso fulgor.

sábado, 5 de abril de 2014

pouco perpétuo

A vida é um fungo, mas a morte também;
Não passamos de Natureza
Morta ou para matar.
Destruidores de lares
Pouco propositados,
Que divagam por todo o lado,
Pois todo o lado é nenhum.
Não somos nada por aí além,
Rogamos frieza
Nos arranjos que deixamos acumular,
Por perpetuarmos crença em altares;
Religiosidades de homens quadrados.
Queremos bons bocados,
Mas a estes não dedicamos tempo algum -
Porque não passamos de canalhas,
Bestas insensíveis,
Monstros de tropeções
Que roçam a má educação.
"Cuidado com o tronco onde talhas
O teu nome e o dos incríveis!..
Bastam uns borrões
Para dar à história um caixão."
Insensibilidade que transborda dos cortes -
Machadadas numa alma de remendos -
Só mostram o que já não há para ver,
Deixando a perplexidade do complexo
No ar, que penetra mentes.
Mentes, fracas, fortes.
Mentes.
Mentimos ao declínio do nosso ser,
Perdemos o nosso reflexo.
Como a Natureza se perde no resto.

segunda-feira, 24 de março de 2014

tropeções intercontinentais

Dançar sozinho;
Morrer no chão.
Sinónimos do que podia temer
Ao hiperbolizar uma raiva interior.
Corro por entre as árvores,
Porque nas pedras definho;
Achei o meu ser
Caído, calado da dor.
Fico imóvel, para que me decores.
Com cores me acinzentaste
Como se não passasse de carvão,
De detritos dessa natureza suja!
Mas recuso-me a ir assim:
Não sou manjar de vermes.
Bandeira a meia-haste,
Que se perdeu o coração
Da alma - e ela que fuja! -
E eles que correram por mim
Até tropeçarem, caírem nas dermes.

domingo, 16 de março de 2014

relato boémio

Eis que entro em casa: deparo-me com uma sagaz monotonia que, no escuro, me fustiga os olhos. O silêncio aconchegou-me, claro, mas deixou-me ao frio. Acabava a folia descontrolada e regressava à realidade da falta de descanso e das madrugadas mal dormidas. Pensei em acalmar o estômago e dar um descanso ao fígado com um pouco de chá; em simultâneo, tentava relembrar a noite que tinha passado e concluía que o meu organismo não tinha sido abusado em quaisquer termos. "Tranquilidade", pensava eu, "com os amigos que pudeste levar." Decidi, ao invés, cortar umas fatias de queijo fresco e comê-las depois de as polvilhar com algum sal - já não comia há coisa de 7 horas.
Sentei-me. Não, encostei-me ao balcão da cozinha. Via a desarrumação por mim criada ao longo de um dia despreocupadamente atarefado. Novamente, voltei a não prestar grande martírio ao que se erguia como um problema de espaço na bancada.
Eram qualquer coisa como 5 horas da manhã; não me lembrava da última vez que tinha olhado para o relógio, especialmente porque nunca mostrei grande importância a horários depois de chegar a uma combinação. Ocorreu-me que devia despir-me: [das sensações, dos risos, do calor] tirei as roupas, impregnadas com o cheiro de cigarros que haviam fumado para cima de mim. Vesti o pijama - ah, tremendo conforto que encontrava em peças de roupa de andar por casa -, mas continuava com reminiscências daquele passado recente, um possante hálito a cerveja ressequido nos meus lábios por não dar azo à minha fala há já uns tempos continuava a assombrar-me as vias nasais. Arrastei-me, mal me tendo nas pernas, para a minha escova de dentes e eliminei o que restava daquela noite. Deitei-me e juro ter ouvido um ou outro chilrear despropositado.
Julgando-me desapegado da vida boémia a que me tinha acostumado ainda agora, tornei para um e outro lado na almofada, suspirava, tirava as meias, puxava uma manta: não conseguia dormir; e isto era estritamente necessário, porque me esperavam algumas horas de atenção redobrada. Comecei, então, como remédio santo, a rebobinar. Julgo que o culminar da perfeição que se podia esperar de uma noite em honra de Luís de Camões só podia jorrar das cordas de um contrabaixo, numa dessas pouco iluminadas ruas da belíssima Lisboa.
Pensei em ignorar e continuar a minha marcha - como tantas vezes o faço durante a luz do dia -, porém, a luz [ou falta dela], aquele frio que me aquecia os ossos por não estar sozinho e estar com a melhor companhia e, muito provavelmente, as agoniantes dores nos músculos por desidratação fizeram-me parar por um pouco. Apenas ficámos, eu e a melhor companhia, a olhar o contrabaixista. Tocava como se não estivesse frio, como se não fossem 2 horas da matina, como se a vida devesse continuar com a total jovialidade e alegria - duas palavras praticamente sinónimas, queria eu - durante a noite. Deixámos-lhe umas moedas, acto ao qual sorriu e acenou levemente com a cabeça.
Visualizei a expressão do músico, imaginei-me a regressar à mão da melhor companhia e acabei a copiar o simples toque de simpatia do primeiro. Abri os olhos e voltei a fechá-los, simplesmente porque podia fazê-lo; disse adeus ao divertimento e encarcerei a felicidade que por aqui existia num compartimento algures, perto da glândula pineal, para a redescobrir quando toda a seriedade que a mim está reservada resolver passar - ou abrandar, talvez seja suficiente.

segunda-feira, 10 de março de 2014

ladroagem dos estendais

Vulnerabilidade denunciada
Deixada cair pelos passos
Dados pelas falhas no passeio.
O chão desfaz-se em ti
Por pouco apreço demonstrares:
Cuspidelas na calçada
E corrosão dos espaços
Que calcas em eterno devaneio
Cada vez que sais daí.
Desenfriares
Da tua camisola de lã
- Permeável, como nós,
Às susceptibilidades exteriores.
Tentativa vã
De agarrar a voz
Dos inferiores
Que, sem dentes,
Insistem em roubar noz.

terça-feira, 4 de março de 2014

o anuário da jornada de Março

O que são anos
Quando temos dias?
Um ano perde-se
Em semanas e meses
Que um dia tem.
Quantidades pouco folgadas
Que fermentam em poços
Não finitos.
Tragam os panos!..
Que nos transbordam as vias!
- Quem, quem..?
Quem fará estas vezes
Ficar aquém
Das desenfriadas
Ideias de temores, nos calabouços
Que te afogam sem atritos?
Perdemos os nossos anos
À procura dos nossos dias.

cafetarias mal arrumadas

Gosto do cheiro do café. Não aprecio o seu sabor a nu, na frieza que a chávena torna sem o açúcar; mas apaixono-me pelo cheio do café cada vez que o sinto: cubano, colombiano, brasileiro: gosto bastante de café com açúcar, açúcar sul-americano.
Gosto que as conversas cessem quando a máquina está a moer os grãos; aquelas pancadas características para retirar o café usado e as duas levas de café em pó que a máquina tão dolosamente faz com que pareça caído do céu. E eis que, no meio de um qualquer estabelecimento com melhor ou pior ar, se ouvem as primeiras pingas de café, antes da onda de barulho que nos silencia os ouvidos.
O cheiro invade-me e rapidamente me abraça como conforto bruto e inerente a qualquer dos espaços onde desejaria estar ao beber aquela água excitante. Bebo café e sou atirado para uma cama a disparar 30 pensamentos por uma linha - o café acorda-me deitando-me -; o café reinicia todo um sistema de clamorosas falhas criadas e fomentadas por uma natural e irracional falta de descanso.
Uma máquina e tanto esse cérebro. Tenho uma máquina em mim e o combustível é o café.
Aqueles grãos têm um cheiro delicioso, perco-me no toque do que mal vejo.
Porém, todas as ilações que podemos tirar do café são um tanto monótonas e açambarcadoras de tempo precioso que inutilmente decidimos despender: o nível de queimadura e a quantidade que vem na chávena. Pouco ou nada nos surpreendemos, já que, num tão completo genoma quanto o que possuímos, já nós habituámos ao racio de novidade numa suma de acontecimentos largamente repetidos.
Gosto do cheiro do café. Gostar de café é quase tipicamente português.

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

piscina de bactérias

Tantos meios
Que se recostam
Por onde se idealizava passear.
[Brisa fria de aconchego
Que me priva do adormecer
Directo, sem rodeios.]
Um bastão
Para eliminar o comum pesar
Que alieno, no meu desassossego,
Na barafunda que é ser.
- Um programa de falhas,
Um raciocínio parado.
Não passo de pântano enlameado.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

um (...) e fechar de olhos liberal

Ouvi com os olhos fechados algo que me fez lembrar, sonhando, um clarão de luz que me provocava um estalo no que havia-de chamar um olfacto gostativo. Estava, efectivamente, de olhos fechados, mas não foi de olhos fechados que ouvi o clarão, foi com eles. Não que isto faça algum sentido - porque se parte, humana e obviamente, do pressuposto que se ouve com os ouvidos e não com os olhos, ainda que fechados. Mas isso é um pressuposto de pessoas limitadas e muito científicas. Não gosto de pessoas muito científicas -, mas gosto de acreditar que o facto de estar de olhos cerrados fez com que o que quer que tenha dentro de mim, referindo-me então a qualquer coisa de espiritual, se tenha exteriorizado e ganho uma preponderância maior do que o poderio físico gostaria que tivesse ganho. Com isto, explicito a maior força do mental em detrimento do físico.
Enfim, ouvi o clarão e, como humano perfeitamente racional e idiota que sou, ia ceder ao primeiro reflexo do medo, abrindo os olhos. Controlei-me a tempo de perpetuar (perpetuar por segundos. que ironia.) cores no escuro - o escuro que encontrava por aí por andar sem abrir os olhos. Um escuro que me dava um conforto inútil e pouco descritível. "Ao menos, é conforto", pensei eu, ao deitar-me na cama que tentava dar-me consolo após uma semana atarefada e desnecessariamente sofrida. O conjunto das almofadas, do colchão, dos lençóis, do cobertor, da tímida colcha e do esplendoroso profundo que alguém havia decidido colorir para minha trémula e indecisa felicidade estava por ali, como se o meu quarto se tratasse de um qualquer sítio paradisíaco e utópico, criado por um qualquer génio cuja alimentação fosse à base de estupefacientes e vitaminas.
Deixei-me deitado a ouvir clarões. Justifiquei-os com um género de sobre-dose de actividade cerebral, levando a um encerramento prematuro da massa cinzenta que, na altura, pouco ou nenhum controlo tinha - ou tentava ter - sobre o que antes era seu reino e país, sobre o único lar que conhecia. "Por vezes, o melhor é mesmo deixar fluir", disse a mim mesmo, com esperança que quem recebesse a mensagem não fosse eu mesmo mas o inseguro centro de comando.
Depois adormeci e foi isto: uma aventura em coisa de vinte segundos.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

a pangeia dos idiotas

Tudo era agitação harmoniosa;
Tudo era mar;
Tudo era traiçoeiro -
Mas não conhecia o medo.
Tudo era um mar de nada.
Ah, súbita estupidez impiedosa
Que me turva o acto que é pensar
E me deixa a mente sem paradeiro -
Pelo menos, conhecido.
(...)
Idiota destemido
De inteligência ao peito
(No peito nem tanto)
Porque não perdeu - ainda - a cabeça.
Quem me dera ter ido
Onde ninguém vai (bom proveito).
Estafado, reponho o defeito
De não ter defesa,
À deriva num mar de nada.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

embriaguez olímpica

Larga a coroa de aipo,
Que pões na cabeça
Natureza morta.
Para tal,
Chega a tua massa cinzenta,
Que cinza é de podridão.
Por meias palavras me escapo,
Que me esqueça
Que a estrada é torta -
Costume fatal.
O desânimo fomenta
Toda e qualquer oração,
Mas não,
Não me apanham em tamanha hipocrisia
Ou contradição.
A minha locomoção está comprometida
Visto que torci o que havia...
Torci o que havia para torcer
Que pensar é direito perto do que não sou.

Onde vou eu,
Perguntam-me.
Respondo que vou para a encosta
Porque do outro lado há descida.
Descida não era o que queria
Mas é melhor do que perecer.

sábado, 25 de janeiro de 2014

bailarina de granito

Ahh, a insustentável leveza do ser,
Que plagio de olhos fechados -
Ou vendados -
Por não querer ver
O que por aqui passa.
O teu ferver
Mostra-nos deslocados
Em penhascos
Por onde danças, sem recolher
Ao medo que te torna baça.
Dançaste entre montanhas
(E também com elas!)
Em honra de velhos tempos
Pelos quais te perdias...
Oh, se te perdias a atar sapatilhas!?
Por onde me perco eu?
Ahh, que me perco no que não era meu,
Por guardar-me disperso em ilhas -
E ilhas são iguarias -
Impostos sobre pensamentos?
Nuvens amarelas,
Não tenho dinheiro para pensar.
Façanhas.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

ignoro bússolas

As borrachas não apagam
As roupas não vestem,
E o teu pensar não te aquece.
Perco-me porque quero,
Não por não saber onde estou.
Limito um acto vão
Que em tudo fica aquém -
Do pouco que me estremece -
E da perspicácia que não declaro.
Vou para ali, mas não sei para onde vou.
O ali é vago,
Mas eu também.
Daí o vagar
Que, pesado, me faz perder.
(Nomearia o que me fez perder, mas apenas me faz perder)
Então, por aqui divago,
Como se tivesse um quem
Que me fizesse parar.
Ignorância de quem faz sofrer.

domingo, 19 de janeiro de 2014

I

Movimento tão lento
Que podia considerar estático.
Não encontro razão para tal:
Se do tempo,
Se do meu movimento...
"Falta de pensamento" -
Pensei eu, sempre melodramático.
O mundo inteiro tornou vegetal
E eu um contratempo.
Em minutos, frequento
Mais de um milhar de lugares
E vejo uma centena de pessoas
Que, diferentes, se mostram iguais
Perante a minha arrogante indiferença.
Tão bom o rebento
Da minha mudança de ares
Para todas estas intenções boas
Que se negam aos demais
Como se merecesse uma recompensa
Por em ti ter caído
Casualmente -
Quão distraído -
Espero que aguente.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

filosofar de um pedragulho

Não gosto da escrita dos outros, nem tão pouco gosto da minha. Gosto mais da escrita dos outros e isto pouco me convinha, se eu fosse crédulo para com as minhas capacidades. Como tal não acontece, não me importo que meu apreço seja pressupostamente mal distribuído, dando alegrias a quem pouco precisa delas por total confiança terem na plenitude das suas faculdades mentais - coisa que ou não possuo ou simplesmente não percebo como atingir.
Talvez fosse mais fácil se acreditasse que o chocolate derrete no estômago em vez de se dissolver, já que este optimismo cego e ignorante podia levar-me a coloquialidades que me enaltecessem em relação a outros possíveis intervenientes que por aí andam a expressar os seus pensares pouco pensados e bastante irrelevantes.
Fossem tragédia as opiniões descabidas que se mostram em troca de apoios idiotas e, em todo o seu ser, supérfluos como as "flores duradouras" que decidiram passar a vender a mulheres de meia-idade. Coisas louvadas de forma canalha - pensei eu -. Mas canalha como quem diz... pois poucos são os calhaus que perdem tempo a olhar para o mar que os envolve.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

acorda-me às três

Não me lembro de adormecer,
Tão pouco me lembro de dormir.
Reconheço que tombei, qual desastre,
No que julgo ser um colchão.
Não, só o tapete me separa do chão.
Fiz um pedido ao teu ser,
Enquanto, inebriado, forçava um resistir
Que perpetua esta arte
Que é a negação.
Já nada me separa do chão.
Pedi que me acordasses às três,
Pois de madrugada se transformam mentiras,
Esboços de ideias, em verdade.
Pensei ter-te conseguido a mão...
Para onde foi o chão?
Bem não me fez
A última bebida, como a dos que se conformam
Com as vaidades
Que levaram à minha falta de razão.
Pois que me perco a procurar o chão.
Não atentaste ao meu pedido,
Visto que em muito passa das três
E tudo está calmo.
Ahh, quem me dera não ter adormecido.
Seria agora mais do que vês,
Ainda que caído no chão
Exausto, por não ter coração.

domingo, 5 de janeiro de 2014

teatralidade de uma rotina

O que antecede uma rotina?
Um nervoso miudinho antecipado
Que se coloca onde não deve colocar-se:
- Na mente.
Devia estar limpa, impávida e serena.
Porém, o meu pensar irrita-me mais que uma concertina.
Faz-me desejar um principado,
Um refúgio, uma farsa...
Uma farsa, exactamente.
Sempre gostei de fantoches
E do automatismo das coisas.
Estes opostos tanto têm em comum
Que me extasiam com o seu diferente.
"O diferente está (de) onde se olha."
As rainhas andam em seus coches
Protegidas por algo como 10 mil coifas.
Matava-os um por um,
Esses arrogantes de peito quente. -
Há que lembrar que a chuva miúda não mata mas molha. -
Disfarçam-se no seu reino,
Ordenando que qualquer um os acuda,
Talvez em troca de apreço? Não, nenhum.
De que falava antes da recolha?
Ah, de farsas, exactamente.