domingo, 4 de outubro de 2015

a viagem dentro do quarto

Fado a milhas,
Revolta-me,
Faz-me praguejar
E morrer.
Leva-me para junto de ti.
Mágicas ilhas
De amor infame
- Do cão, o farejar;
De ti, foder -
Quero, sou, sair daqui.
Existir noutro lado
Ou em todo, aliás.
Ser enorme
E mínimo;
Impossível de não ver.
Ser fogo alado,
Uma alma fugaz
Num corpo que não dorme,
Por uma vida que não apraz.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

ode a Albert

Hoje, sinto-me vazio. Vazio de ti. Vazio de mim.
Prometo, porém, que é hoje apenas - não me estranhes por isto, que já vivi assim faz um ano.
Desconexo, intemporal e com isso desimportado - se me permitirem criar neologismos. Não me importo, de todo.
Inerte, morto, mas desinibido, em paz. Caminho a passo pesaroso e despreocupado para lado algum.
Divago, devaneio. Voava pelo calor refulgindo em espaço. Como Ícaro, que sem asas ficou, o calor tomou-me o corpo. Era todo eu res cogitans, sem corpo que pudesse ser-me atribuído. Não me enquadrava, simplesmente. Tão vazio que era por não existir recipiente que me contivesse. Estava, na verdade, cheio de vontade; mas vazio de ti, que é vazio de mim.
E, desta forma, assumi que me conhecia. Feliz e finalmente. Que estava em contacto com os prismas conscientes por que podia estender-me.
Eu não tinha corpo, mas era enorme. Como é boa a relatividade.

sábado, 2 de maio de 2015

cima

Hoje, tirei escassos segundos para olhar para o céu. Não me tomem tal declaração com um tom pejorativo; porque não era minha intenção. Olhei para o céu, gostei do que vi. A noite caíra há pouco, as luzes da rua, dos carros, dos restaurantes já estavam acesas. O céu, porém, mostrava-se claro, com pinceladas negras que, atiradas ao acaso, formavam um caos de abraço à perfeição. Como não poderia deixar de ser, o céu deixou-me a pensar. As luzes adquiriram-me, eu movia-me pelo espaço e pelo tempo sem que outros mundanos desconfiassem - julgava eu ser como eles, ou estar a cair na semelhança com os restantes. Eu não existia, na realidade. Existia o céu, a cidade e tudo o resto; eu não. Estupidamente - ou quiçá nem tanto -, houve coisas a não bater certo. Criara-se um vácuo e aí percebi.
Um eterno amante e bajulador da percepção negligenciava-se de forma a não ter presente a noção base de todas as coisas. Não há coincidências. Aliás, existem, daí a noção de "coincidência", mas não fazem jus ao conceito com que a elas nos referimos. Coincidências são cruzamentos aleatórios de pessoas com pessoas, espaços, acontecimentos, seres vivos vários. São os meros acasos que nos preenchem, que nos dão vida. Não são coincidências. Ainda assim, muito menos podemos chamar-lhes destino ou coisa que o valha. O destino não existe mesmo. Seria idiota os humanos regerem-se por um plano prévio apesar da sua tão proclamada razão, que nos leva ao inútil livre arbítrio.
Vejo condicionamentos idiotas por todo o lado; tanto que deixei de conseguir funcionar sem olhar para eles. Tal como o céu, que hoje estava bonito, são modeladores de como nos sentimos - o que é profundamente injusto. Porquê? Só porque sim. Aparentemente, não temos de justificar nada do que dizemos.
Eu gostei do céu hoje. Estava bonito e senti-me feliz. O céu relativizou-me hoje: estava pequenino, insignificante - mas na verdade eu era enorme, cobria toda a Terra. Eu era o céu.
Eu era o céu e reconhecia em mim momentos, acções, pessoas. Dor, riso, desilusões, realizações. Não. Eu não era o céu. Alguém me havia pintado nele. Vim para casa incomodado, mas com a certeza de que não estava sozinho.

segunda-feira, 30 de março de 2015

céus rosados

Rodeado de céus torrados,
Enchi-me de manteiga
Para atingir uma combinação -
Uma que fosse -
Que me saísse correcta.
Entranhas, músculos lacerados,
Que cantavam de forma meiga,
Impunes, pedindo coração.
[O MUNDO CALOU-SE]
Inúmeras partes da colecta
Se haviam desfeito -
Dela, de si, de tudo.
A desconstrução era una.
Una e absoluta.
Um cenário apocalíptico
Abria-se num estrondo mudo:
E o mundo, do topo de uma coluna,
Caía [que filho da puta].

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

lamento pedonal

Quis escrever; perdi-me no como - merda. Terei perdido este pseudo-requinte que me conferia distinção? Serei tão ou mais mortal, como todos os outros?
Resignar-me à minha pequenez não foi tão aprazível como julguei que tal se constituiria. Desci um degrau figurativo para poder ficar equiparável a todos os outros, mas com uns centímetros de alma a mais - figurativamente, de novo, porque as almas não se medem aos palmos. A alma conta muito. Tanto. É imensa. [quero uma alma e olhar para as vossas] Querer é tão pequeno e tão humano que não quero querer. Lá está de novo. Que aborrecimento isto de pertencer ao mundo.
Terei de optar entre pertencer a todos ou a mim? Haverá meio termo designável?
Não sou poeta. Não escrevo prosa decente. Eu sei lá se sei escrever. Não saber é um dado adquirido, o único ganho constante na manhã - sou um Sócrates actual e menos acreditado. Hei eu de ser envenenado na praça pública por não aceitar resumir-me a tão-lindas convenções.
Ingrato conotá-las desta forma; lindas são as mulheres. E as almas. As almas são mulheres, são figuras femininas que coabitam entre o nosso mundo e outro qualquer. [sou mundano e quero desfrutar dos meus prazeres mundanos]
Tenho todo o direito de Bukowskizar, a ser eminentemente do povinho, mas constantemente um passo à frente. Sou espectador e intervenho quando posso tocar.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

ser até

A saudade mata 
E perfila. 
Tu és até onde
A saudade te deixa ser. 
Ter saudade é um fim 
- último e pequeno. 
Nos versos há rima
E a vida é prata;
O homem vacila
E a vida logo se esconde;
Fosse eu de poder
Para ti, por ti e para mim, 
O poema é moreno 
E o Norte já não é tão acima. 

sábado, 7 de fevereiro de 2015

marxismo de abundância

Edifica o futuro
E materializa tenros laços.
Ser dois ou ser um só
É fácil e complementar.
Utopia-me:
Fiquemos bem no escuro,
Existindo em belos traços;
Num idealização de dó
Ou de notas outras que queiras tocar.
Utopia-me.

sábado, 31 de janeiro de 2015

marasmo

Solto o sol
E monto-te a saudade
E o sal no corpo -
Que se retorce, com frio.
Leva-me a pena, o lápis e a caneta
E finge-me ser presa, anzol,
Neste mar, que é verdade.
Tão verdade quanto o Morto,
Pútrido, pequeno, tortuoso,
E eternamente colado à meta.
Um adeus sumptuoso,
A premonição de um olá que não chega:
Quem lhe disse a si que era bom ser poeta?