quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

fogo alado

Voam as corujas...
Antes voasses tu.
Conflui, compacta, existe e desaparece.
Verbos do ser que não são -
Nem eu sou.
Arribas sujas
Que perpetuo
Mas que a memória esquece.
Tentação
E três existências te dou.
Voa.
Voa e sai.
Alcança, transcende.
Vamos onde o futuro ressoa,
Onde a alma cai
E onde a coruja ascende,
Some. E a vertigem que consome
É o para sempre a meio gás,
É o inacabado que mata
Quando devia colmatar.
Sou a fome -
De ti - e a fúria fugaz
Que o pesar não trata.
De que fugimos nesta errata?
Parco o controlo que nos arrefece
E, num corpo pouco são
Em mente que voou,
No presente que desvirtuo
Por ser tua prece.

domingo, 3 de janeiro de 2016

O piano, o rio e o mês de janeiro

O piano cria uma melodia bonita. Não costumo, geralmente, dizer coisas deste cariz acerca de melodias, mas hoje redescobri a beleza do piano; senti-me ansioso. Ansioso mas certo de estar capaz de ouvir piano durante horas - como se pudesse martirizar-me com tal coisa. O piano leva-me a sítios onde eu nunca estive - onde, porém, desejo estar - ainda que me pareçam todos extremamente familiares. Quentinhos, mas tristes, como só eu sei que existem.
Quero levar a carga dramática do piano comigo - isso e o quanto me custa escrever neste momento. Parece-me a mim que já não sei fazê-lo. Pelo menos, não com a fluência de outrora. Não que não saiba construir frases - longe disso -, trata-se de imaginar coisas, idealizá-las e pintá-las em fumo na mente. Por aí me fico. No papel, ganham formas horrendas e desconexas, como se não houvesse ligação do meu interior para o que me rodeia, o que seria muito triste. Não quero viver noutro sítio que não o mundo real, mesmo sabendo que tenho a possibilidade de escapulir-me para longe de adversidades várias. Os meus sonhos estão apenas altos quanto baste, altos o suficiente para que não os consiga agarrar.
Sinto-me, por isto, triste. Não desesperado, nunca. Apenas triste e cansado. Daí querer carregar o peso de me custar escrever - nunca esquecendo a gratidão que devo às forças motrizes do universo por ter em mim dom como este, que tantas emoções me permite e me provoca.
Estou a tremer, de momento. A tremer a sério. Quis escrever por culpa do piano. Estou a tremer mas não tenho frio, apesar da minha meia manga nesta noite de janeiro. O cruel e gélido mês de janeiro. Estou ofegante como se tivesse estado a correr, embora esteja sentado. Escrevi pelo piano, mas centrei-me em mim, quando, na verdade, queria que isto chegasse a outra pessoa - e que essa pessoa me agarre depois de me atirar ao rio, que ainda não parou de correr nem por um segundo.

domingo, 4 de outubro de 2015

a viagem dentro do quarto

Fado a milhas,
Revolta-me,
Faz-me praguejar
E morrer.
Leva-me para junto de ti.
Mágicas ilhas
De amor infame
- Do cão, o farejar;
De ti, foder -
Quero, sou, sair daqui.
Existir noutro lado
Ou em todo, aliás.
Ser enorme
E mínimo;
Impossível de não ver.
Ser fogo alado,
Uma alma fugaz
Num corpo que não dorme,
Por uma vida que não apraz.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

ode a Albert

Hoje, sinto-me vazio. Vazio de ti. Vazio de mim.
Prometo, porém, que é hoje apenas - não me estranhes por isto, que já vivi assim faz um ano.
Desconexo, intemporal e com isso desimportado - se me permitirem criar neologismos. Não me importo, de todo.
Inerte, morto, mas desinibido, em paz. Caminho a passo pesaroso e despreocupado para lado algum.
Divago, devaneio. Voava pelo calor refulgindo em espaço. Como Ícaro, que sem asas ficou, o calor tomou-me o corpo. Era todo eu res cogitans, sem corpo que pudesse ser-me atribuído. Não me enquadrava, simplesmente. Tão vazio que era por não existir recipiente que me contivesse. Estava, na verdade, cheio de vontade; mas vazio de ti, que é vazio de mim.
E, desta forma, assumi que me conhecia. Feliz e finalmente. Que estava em contacto com os prismas conscientes por que podia estender-me.
Eu não tinha corpo, mas era enorme. Como é boa a relatividade.

sábado, 2 de maio de 2015

cima

Hoje, tirei escassos segundos para olhar para o céu. Não me tomem tal declaração com um tom pejorativo; porque não era minha intenção. Olhei para o céu, gostei do que vi. A noite caíra há pouco, as luzes da rua, dos carros, dos restaurantes já estavam acesas. O céu, porém, mostrava-se claro, com pinceladas negras que, atiradas ao acaso, formavam um caos de abraço à perfeição. Como não poderia deixar de ser, o céu deixou-me a pensar. As luzes adquiriram-me, eu movia-me pelo espaço e pelo tempo sem que outros mundanos desconfiassem - julgava eu ser como eles, ou estar a cair na semelhança com os restantes. Eu não existia, na realidade. Existia o céu, a cidade e tudo o resto; eu não. Estupidamente - ou quiçá nem tanto -, houve coisas a não bater certo. Criara-se um vácuo e aí percebi.
Um eterno amante e bajulador da percepção negligenciava-se de forma a não ter presente a noção base de todas as coisas. Não há coincidências. Aliás, existem, daí a noção de "coincidência", mas não fazem jus ao conceito com que a elas nos referimos. Coincidências são cruzamentos aleatórios de pessoas com pessoas, espaços, acontecimentos, seres vivos vários. São os meros acasos que nos preenchem, que nos dão vida. Não são coincidências. Ainda assim, muito menos podemos chamar-lhes destino ou coisa que o valha. O destino não existe mesmo. Seria idiota os humanos regerem-se por um plano prévio apesar da sua tão proclamada razão, que nos leva ao inútil livre arbítrio.
Vejo condicionamentos idiotas por todo o lado; tanto que deixei de conseguir funcionar sem olhar para eles. Tal como o céu, que hoje estava bonito, são modeladores de como nos sentimos - o que é profundamente injusto. Porquê? Só porque sim. Aparentemente, não temos de justificar nada do que dizemos.
Eu gostei do céu hoje. Estava bonito e senti-me feliz. O céu relativizou-me hoje: estava pequenino, insignificante - mas na verdade eu era enorme, cobria toda a Terra. Eu era o céu.
Eu era o céu e reconhecia em mim momentos, acções, pessoas. Dor, riso, desilusões, realizações. Não. Eu não era o céu. Alguém me havia pintado nele. Vim para casa incomodado, mas com a certeza de que não estava sozinho.

segunda-feira, 30 de março de 2015

céus rosados

Rodeado de céus torrados,
Enchi-me de manteiga
Para atingir uma combinação -
Uma que fosse -
Que me saísse correcta.
Entranhas, músculos lacerados,
Que cantavam de forma meiga,
Impunes, pedindo coração.
[O MUNDO CALOU-SE]
Inúmeras partes da colecta
Se haviam desfeito -
Dela, de si, de tudo.
A desconstrução era una.
Una e absoluta.
Um cenário apocalíptico
Abria-se num estrondo mudo:
E o mundo, do topo de uma coluna,
Caía [que filho da puta].

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

lamento pedonal

Quis escrever; perdi-me no como - merda. Terei perdido este pseudo-requinte que me conferia distinção? Serei tão ou mais mortal, como todos os outros?
Resignar-me à minha pequenez não foi tão aprazível como julguei que tal se constituiria. Desci um degrau figurativo para poder ficar equiparável a todos os outros, mas com uns centímetros de alma a mais - figurativamente, de novo, porque as almas não se medem aos palmos. A alma conta muito. Tanto. É imensa. [quero uma alma e olhar para as vossas] Querer é tão pequeno e tão humano que não quero querer. Lá está de novo. Que aborrecimento isto de pertencer ao mundo.
Terei de optar entre pertencer a todos ou a mim? Haverá meio termo designável?
Não sou poeta. Não escrevo prosa decente. Eu sei lá se sei escrever. Não saber é um dado adquirido, o único ganho constante na manhã - sou um Sócrates actual e menos acreditado. Hei eu de ser envenenado na praça pública por não aceitar resumir-me a tão-lindas convenções.
Ingrato conotá-las desta forma; lindas são as mulheres. E as almas. As almas são mulheres, são figuras femininas que coabitam entre o nosso mundo e outro qualquer. [sou mundano e quero desfrutar dos meus prazeres mundanos]
Tenho todo o direito de Bukowskizar, a ser eminentemente do povinho, mas constantemente um passo à frente. Sou espectador e intervenho quando posso tocar.