sábado, 2 de maio de 2015

cima

Hoje, tirei escassos segundos para olhar para o céu. Não me tomem tal declaração com um tom pejorativo; porque não era minha intenção. Olhei para o céu, gostei do que vi. A noite caíra há pouco, as luzes da rua, dos carros, dos restaurantes já estavam acesas. O céu, porém, mostrava-se claro, com pinceladas negras que, atiradas ao acaso, formavam um caos de abraço à perfeição. Como não poderia deixar de ser, o céu deixou-me a pensar. As luzes adquiriram-me, eu movia-me pelo espaço e pelo tempo sem que outros mundanos desconfiassem - julgava eu ser como eles, ou estar a cair na semelhança com os restantes. Eu não existia, na realidade. Existia o céu, a cidade e tudo o resto; eu não. Estupidamente - ou quiçá nem tanto -, houve coisas a não bater certo. Criara-se um vácuo e aí percebi.
Um eterno amante e bajulador da percepção negligenciava-se de forma a não ter presente a noção base de todas as coisas. Não há coincidências. Aliás, existem, daí a noção de "coincidência", mas não fazem jus ao conceito com que a elas nos referimos. Coincidências são cruzamentos aleatórios de pessoas com pessoas, espaços, acontecimentos, seres vivos vários. São os meros acasos que nos preenchem, que nos dão vida. Não são coincidências. Ainda assim, muito menos podemos chamar-lhes destino ou coisa que o valha. O destino não existe mesmo. Seria idiota os humanos regerem-se por um plano prévio apesar da sua tão proclamada razão, que nos leva ao inútil livre arbítrio.
Vejo condicionamentos idiotas por todo o lado; tanto que deixei de conseguir funcionar sem olhar para eles. Tal como o céu, que hoje estava bonito, são modeladores de como nos sentimos - o que é profundamente injusto. Porquê? Só porque sim. Aparentemente, não temos de justificar nada do que dizemos.
Eu gostei do céu hoje. Estava bonito e senti-me feliz. O céu relativizou-me hoje: estava pequenino, insignificante - mas na verdade eu era enorme, cobria toda a Terra. Eu era o céu.
Eu era o céu e reconhecia em mim momentos, acções, pessoas. Dor, riso, desilusões, realizações. Não. Eu não era o céu. Alguém me havia pintado nele. Vim para casa incomodado, mas com a certeza de que não estava sozinho.

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